(Letícia Lanz, 22-09-2012). Todos os dias ao redor do mundo, um grande número de mulheres são vitimadas pela violência de maridos e companheiros machistas, continuamente alimentados por uma cultura que leva o homem a acreditar ser dono da mulher. Felizmente, graças à militância feminista de décadas, muitas dessas mulheres já conseguem expor publicamente seu drama, revelando a face monstruosa de homens que as torturam, ferem e matam, seus corpos e sobretudo suas almas.
Mas há um outro lado da violência, também machista, que nunca vem à tona. Que, quando muito, é comentada a boca pequena, onde gritos dilacerantes de angústia e dor se transformam em sussurros amedrontados, cheios de vergonha e culpa.
Estou falando de mulheres que torturam e violentam seus maridos e companheiros transgêneros, amplificando a graus inimagináveis seus tormentos existenciais, que já são insuportavelmente grandes.
A todo momento, recebo cartas de homens em estado de grande sofrimento e aflição, que nunca “agrediram” e que, muito ao contrário, sempre “agradaram” suas mulheres e companheiras, fazendo o possível e o impossível para corresponder às expectativas que elas têm de um bom cônjuge, um bom pai, um companheiro atento, fiel , carinhoso.
Pois bem: – quero denunciar, contando apenas com a pouca voz que disponho, as agruras existenciais desses homens que, apesar de fiéis ao matrimônio e cumpridores dos seus deveres para com suas famílias e para com a comunidade, estão sendo tratados por suas esposas e companheiras como delinquentes, devassos e depravados, exclusivamente em função da sua condição transgênera.
São absolutamente desumanas as torturas e humilhações diárias a que esses homens transgêneros são submetidos por mulheres machistas, horrorizadas com a descoberta da “feminilidade” dos seus parceiros amorosos. A verdade é que o “machismo feminino” dirigido a companheiros e maridos transgêneros é tão horrenda e cruel quanto o machismo praticado pelos homens contra as mulheres.
A grande maioria das mulheres transformam-se em empedernidas torturadoras ao serem informadas, pelos seus próprios parceiros, da condição transgênera que carregam em seus corpos e almas ou, pior ainda, ao descobrirem, por obra do acaso ou má-fé de terceiros, que seus maridos têm uma vida paralela, onde estão muito longe de ser “tão homens” ou “tão machos” quanto deveriam…
O próprio processo de revelar-se à parceira pode ser considerado como uma das mais cruéis sessões de tortura pelas quais um homem transgênero pode passar. São toneladas de perguntas para as quais ninguém até hoje teve resposta, entremeadas de espasmos de cólera, choros convulsivos, imprecações, ranger de dentes e silêncios profundos.
Uma vez feita a “terrível confissão” ou a “descoberta nefasta”, instala-se um clima de guerrilha doméstica, onde o marido ou companheiro, colocado sob permanente vigilância e suspeita, passa a ser submetido a todo tipo de crueldade mental e constrangimento físico e moral.
Essa clima doméstico perdura até a inevitável separação, quase sempre de ordem judicial, com o homem sendo dessa vez constrangido e humilhado publicamente, diante de advogados que não pouparão sua condição transgênera como motivo principal do divórcio. Muitos homens transgêneros são de tal forma vitimizados por processos judiciais de separação que perdem até mesmo o direito de conviver os filhos, em razão da sua identidade de gênero.
A miopia provocada pelo machismo faz com que as mulheres, que continuam sendo suas maiores vítimas, declarem em pesquisas a sua preferência por “homens machões” assim como a sua rejeição por homens que demonstrem qualquer traço de feminilidade. Por certo essas mulheres que rejeitam a transgeneridade dos maridos e companheiros prefeririam viver ao lado de homens que as submetessem a permanentes maus tratos, que escandalosamente as traíssem com outras (ou outros…), que não tivessem a menor atenção e carinho com os filhos.
Ao contrário das mulheres constrangidas ou violentadas por maridos machistas, que hoje dispõem de todo um aparato institucional de proteção e defesa, os homens transgêneros não dispõem de nenhuma instância a que recorrer. Além de não ser comum os homens transgêneros se agruparem em associações de ajuda e proteção mútua, não existe nenhuma lei específica para defende-los das investidas de mulheres machistas, determinadas a levar seu preconceito e intolerância às últimas consequências. Resulta que esses homens acabam muito sós e completamente desamparados em relação a quaisquer direitos que têm no terreno doméstico e familiar.
Quando muito, um ou outro, de maneira envergonhada, expõe seu drama em algum e-mail carregado de dor, como um que recebi ainda esses dias, onde o autor, em tom desesperançado, faz um depoimento pungente:
“depois de vivermos todo esse tempo em clima de guerra doméstica, minha esposa disse que não aguentava a minha condição transgênera e estamos separados há quase 15 dias. Para ela, não dava mais viver comigo, pois ela não suporta a minha transgeneridade. Daí eu me sinto muito culpada de ser assim, de ter comprometido o meu casamento e ter perdido a mulher da minha vida, além de estar privado do convívio diário com minhas filhas, que ainda são muito crianças e que eu amo por demais”.
Ser transgênero é normal e é legal. É perfeitamente normal um homem vestir-se com roupas femininas e/ou realizar modificações corporais para aliviar o impulso de um desejo que dilacera seus portadores. O que não é normal é as mulheres tratarem esses homens como se fossem pessoas moralmente degradadas, impondo-lhes restrições e sofrimentos que nitidamente configuram uma forma de violência doméstica sustentada por surrados valores machistas. Ao agirem de modo preconceituoso e intolerante com seus maridos e companheiros transgêneros, essas mulheres tornam-se cúmplices de uma ordem social que sempre negou e espoliou seus direitos mais elementares.
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A publicação deste texto foi gentilmente concedida por Letícia Lanz, autora deste texto que se encontra, originalmente, disponível em: http://www.leticialanz.org/vitimas-do-machismo-de-suas-mulheres-e-companheiras/
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