Ser mulheres juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser garotas gays juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser mulheres negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras sapatonas juntas não era suficiente. Éramos diferentes... Levou algum tempo para percebermos que nosso lugar era a própria casa da diferença e não a segurança de alguma diferença em particular. (Audre Lorde)

domingo, 22 de abril de 2012

A culpa é do povo, mas quem é o povo?


TERÇA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2010


A culpa é do povo

JustificarOs meios de comunicação de massa batem, insistentemente, na tecla do "voto consciente". Batem nessa tecla com razão, afinal, nossas escolhas determinarão, em alguma medida, o ruma de políticas que afetarão nossas vidas. Então, para mudarmos alguma coisa precisamos votar conscientemente. A lógica desse discurso é a seguinte: da mesma forma que terminaríamos com um namorado ou uma namorada se ficássemos sabendo (conscientes) sermos vítimas de traição, é preciso saber (ficar consciente) de "quem é quem" no mundo da política para romper ou estabelecer uma relação útil. Sabemos ser importante votar de maneira consciente. Mas, se sabemos disso, por qual motivo acontecem tantos escândalos e não muda nada, ou quase nada, no panorama político? Se todos sabem que devem votar de maneira consciente, então, quem é o inconsciente da história? Ahh... Sim, o povo, sempre o povo! Tudo está como está por causa do povo, massa amorfa incapaz de mobilização e apática demais para buscar informações. Sendo assim, podemos dizer ser o povo merecedor do governo ao qual está submetido, confirmando a famosa frase: cada povo tem o governo que merece (frase que descobri, numa pesquisa rápida na internet, ser do filósofo Joseph-Marie de Maistre).
Duas perguntas: Se cada povo tem o governo que merece, será que não estamos contentes com nossos governantes por sermos eternos insatisfeitos? Não. E posso dizer isso de um modo tão definitivo pelo seguinte: não somos o povo. Quem está insatisfeito nunca é o povo. O insatisfeito nunca se identifica com ele. Afinal, quem é o povo? Quem é esse que, volta e meia, é considerado o responsável por colocar políticos corruptos no poder? Quem é esse que, além de colocar políticos corruptos no poder, não faz nada diante da corrupção?
O povo é o ingênuo, o ignorante, quase sempre o pobre e, só algumas vezes, a classe média, mas nunca o rico. O povo é aquele que se deixa enganar, aquele que troca seu voto por óculos, churrasco, por algum cargo, ou algum outro bem imediatista. O povo é todo mundo, o povo é ninguém. Eu não sou o povo, nem sou do povo, imagino que você também não seja o povo e nem do povo, ninguém é. O povo é sempre o outro, os outros, mas nunca, nunquinha, a gente. E isso não acontece só no campo da política, em tudo o mais é assim: o povo é que escuta música ruim, o povo é que assiste novela, o povo é que não lê, o povo é que não se informa. O povo, sempre o povo!
Se eu não sou o povo, se vocês leitores não são o povo, se seus amigos próximos não são o povo, se o povo é sempre o outro que se encontra distante de mim socialmente, culturalmente, quem é, então, o povo? Se aqueles que pensamos ser o povo não se pensam como povo e, ainda por cima, também colocam a culpa no povo, pois eles também não são o povo, quem é o povo? Me digam, por favor, quem é o povo? Quero apontar para ele e dizer: a culpa é sua. Só espero, quando nos encontrarmos, não ouvir dele as seguintes questões: i) o que fazer quando só é possível escolher entre variações da mesma tonalidade? ii) Será que escolho verdadeiramente ou só faço parte de um jogo no qual finjo escolher? iii) O que fazer? Diante dessas questões eu só poderia responder: apareça Povo, apareça cada vez mais. Entre nos espaços mesmo sem ser convidado e, em alto e bom tom, diga o seu nome.

4 comentários:

  1. estamos vendo o "povo", o "mercado de trabalho", "a massa", as "relaçoes sociais", a "moda", as "tendencias" como se fosse uma instituição a parte como se não pertencessemos a esta salada de frutas... É sempre mais fácil falar que o povo não sabe, eu é que sei. Dá pra dormir a noite se a culpa é do povo e nao minha.

    ResponderExcluir
  2. Bela observação Giovana Guzzo, por isso penso que devemos questionar a própria ideia de culpa. Por que a mantemos? Ela é o sustentáculo de boa parte da imobilidade reinante no campo da política, lato e stricto sensu. O que nos leva a pensar o campo da subjetividade como um dos campos mais importantes da política. Talvez se nos liberássemos da culpa poderíamos ser povo e nos saber povo: experiência da diferença misturada que se dá "através da aceitação da distância e do reconhecimento dela".

    ResponderExcluir
  3. http://www.youtube.com/watch?v=BDcFa16ZisY

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito importante sentirmos ao menos um pouco de culpa, barra a humanidade das atrocidades, seria olho por olho dente por dente a todo o momento

      Excluir