Ser mulheres juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser garotas gays juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser mulheres negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras sapatonas juntas não era suficiente. Éramos diferentes... Levou algum tempo para percebermos que nosso lugar era a própria casa da diferença e não a segurança de alguma diferença em particular. (Audre Lorde)

segunda-feira, 10 de março de 2014

PROGRAMAÇÃO DA SEMANA DA MULHER NO IFMS-COXIM: MULHERES NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA, TÉCNICA E TECNOLÓGICA

O NÚCLEO DE INCLUSÃO E DIVERSIDADE DO IFMS-COXIM CONVIDA A TODXS  A PARTICIPAREM DO DIA 10 AO DIA 14 DAS SEGUINTES ATIVIDADES:

DEBATE
DEBATE ENTRE MULHERES:  ESTUDAR E TRABALHAR NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA, TÉCNICA E TECNOLÓGICA – QUARTA-FEIRA DAS 14H30 ÀS 16H20 (120 VAGAS – NÃO NECESSITA INSCRIÇÃO)

CINEMA
CINE-SOCIOLOGIA COM O FILME OLGA – SEGUNDA-FEIRA DAS 13H45 ÀS 17H (120 VAGAS- NÃO NECESSITA INSCRIÇÃO) - Alexandre Lopes/Prof. Me/IFMS

MINICURSO
A CIÊNCIA É MASCULINA OU AS POSIÇÕES DE DESTAQUE NA CIÊNCIA SÃO MASCULINAS? -  TERÇA-FEIRA DAS 14H ÁS 17H (20 VAGAS) – Ana Karoline Jerônimo da Silva/ Graduanda/ IFMS- Lucas Pereira Gandra/ Graduando/ IFMS

RODA DE CONVERSA
SAÚDE DA MULHER – QUINTA-FEIRA DAS 9H30 ÀS 11H  (40 VAGAS) – Shintia/ Enf.ª/ SAE/

OFICINAS:
TEORIAS E PRÁTICAS DE YOGA - SEGUNDA-FEIRA DAS 15H30 ÀS 17H30 (15 VAGAS) – Kelly Dutra/ Prof.ª
LEITURA AFETIVA – SEXTA-FEIRA DAS 14H30 ÁS 16H30 (10 VAGAS) –Jozil dos Santos/ Prof.ª Esp./ IFMS - Raul Alves/ Graduando/UFMS
ESTENCIL: FEMINISMO E ARTE -   SEXTA-FEIRA DAS 8H30 ÀS 11H30 (6 VAGAS)- Cleiton Zóia Münchow /Prof. Me./IFMS - Gleiciane Cruz/ Estudante/IFMS - Raquel dos Santos/ Estudante/IFMS – Regiane Arruda/Estudante/IFMS.

INTERVENÇÕES NO INTERVALO
DANÇAS CIRCULARES – Jozil dos Santos/ Prof.ª Esp./ IFMS - Cleiton Zóia Münchow /Prof. Me./IFMS – Com a participação dxs estudantes do IFMS
CURTA FEMINISTA  NO INTERVALO - Cleiton Zóia Münchow /Prof. Me./IFMS

EXPOSIÇÃO
EXPOSIÇÃO DE ARTESANATO EM ARGILA PRODUZIDO PELAS ESTUDANTES DO PROGRAMA MULHERES MIL - QUARTA-FEIRA DAS 14H30 ÀS 16H20-  Tadeu Loibel/Prof. Me/IFMS – Martha Silveira Nogueira/ Prof.ª e artista plástica/IFMS


SOBRE A SEMANA DA MULHER NO IFMS

No Brasil a diferença de gênero é marcada pela desigualdade no mundo do trabalho.  As mulheres coxinenses, por exemplo, de acordo com os dados do IBGE de 2010, ganham em média 547, 07 reais a menos que os homens. A renda é somente um dos aspectos das desigualdades presentes no mundo do trabalho. Há muito as feministas nos mostraram que o pessoal é político de maneira que não podemos ignorar que ao trabalho realizado pelas mulheres - seja na iniciativa privada ou pública, como autônoma ou empregada – deve-se, ainda hoje, acrescentar o trabalho doméstico que, por ser recorrentemente apresentado como espécie de realização natural feminina, não gera rendimentos salariais.

Quando pensamos em mulheres que trabalham na área da educação (docentes e servidoras técnicas) não podemos perder de vista sua presença massiva nas séries iniciais de ensino e sua raridade nos níveis considerados superiores. Distribuição semelhante pode ser percebida no que se refere à ciência e à tecnologia, áreas do saber e de atuação profissional em que a presença feminina, além de invisibilizada, é menor. Não acreditamos que essa disparidade resulte de uma suposta natureza do comportamento feminino responsável por levar as mulheres para outras áreas de atuação. A inteligibilidade dessa organização deve ser buscada na própria instituição da ideia de natureza feminina, a qual, conforme Wittig, oculta que a divisão entre os sexos é política.

A compreensão política da divisão entre os sexos implica num posicionamento distinto em relação aos modelos de organização de sexo e gênero em que sua existência passa a ser pensada como efeito de relações de poder que, por meio das práticas cotidianas presentes nos mais diversos setores da nossa vida, constituem nossa subjetividade e identidade. Daí resulta uma perspectiva interessada em interrogar-se a respeito dos mecanismos de produção dessa divisão política (WITTIG, BULTLER, PRECIADO) que se resguarda sob a capa de uma pretensa natureza feminina. A partir dessa perspectiva, que se interroga pela produção tecnológica do natural, gostaríamos de propor um conjunto de ações orientadas no sentido de nos fazer pensar com as mulheres (tecnobio e tecnotrans) na educação técnica e tecnológica, espaço marcado oficialmente pela presença de tecnobiohomens.

Fizemos um levantamento na página da internet do IFMS para averiguar a distribuição de poder a partir de uma perspectiva de gênero e encontramos os seguintes resultados: dos 22 cargos de direção, distribuídos entre os 7 campi, somente 8 são ocupados por mulheres. O campus que apresenta maior número de mulheres é o de Três Lagos (3 diretoras), o de menor número é Coxim, que não tem nenhuma mulher ocupando cargo de direção, a não ser em caráter de provisoriedade. Nas coordenações também encontramos um desnível muito grande: dos 61 cargos, somente 17 são ocupados por mulheres. Mesmo no campus que apresenta o maior número de mulheres em suas coordenações, o total de mulheres perde para o total de homens: Coxim tem 4 coordenadoras e 5 coordenadores. O campus de Aquidauana, por sua vez, apresenta o menor número de mulheres em suas coordenações: 1 mulher e 6 homens.


A escolha do tema é estratégica e reflete nossa preocupação em problematizar gênero e sexualidade em nossas práticas cotidianas no mundo do trabalho de maneira a nos permitir criar percepções politizadas acerca dos processos de produção e de organização do gêneros e da sexualidade no interior do espaço institucional que habitamos e que - como bem nos mostrou Foucault, em Vigiar e Punir, utilizando a figura arquitetônica do panóptico - nos habita. 


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

TEATRALIZANDO: curso básico de formação em teatro


Convidamos a todos, todas e todxs a participarem do Teatralizando: curso básico de formação em teatro. Este curso surgiu da necessidade de um grupo de estudantes que desejava conhecer e fazer teatro, com esse objetivo resolvemos convidar um conjunto de profissionais que pudesse desenvolver conosco o instrumental básico capaz de nos permitir caminhar por este universo.
 
 O curso é gratuito e será realizado nas dependências do IFMS. As aulas serão teóricas e práticas e terão duração máxima de 3h (das 14h às 17h), o certificado será de 18h  e será emitido somente para as pessoas que participarem em pelo menos 75% dos encontros. Ao total serão disponibilizadas 20 vagas, que serão preenchidas conforme a ordem das inscrições.
 
 As inscrições devem ser feitas exclusivamente pelo e-mail casa_dadiferenca@hotmail.com  entre os dias 27\09 e 03\10\2013. Nas inscrições devem constar as seguintes informações dx candidatx: nome completo, RG, CPF, idade,  telefone, instituição a que pertence (quando for o caso).
 
PROGRAMAÇÃO
  
(04\10 - sexta) A Construção da Personagem – Ivanildo José da Silva (Mestre em estudos da Linguagem\UFMS)
(08\10 - terça) Tópicos Sobre Teatro grego Antigo – Leandro Hecko (Doutor em História\UFPR)
(15\10 - terça) Técnicas de Improviso – Gleycielli Nonato ( Atriz, Poetisa e Produtora Cultural)
(22\10 - terça) Expressão Corporal – Catarina Guerchi Nunes (Diretora de Cultura FUNRONDO e Publicitária\UCDB)
(29\10 - terça) Técnicas Vocais – Allisson Popolin (Mestre em Artes\Música\UFU)
(01\11-  sexta) Teatro engajado brasileiro – Dolores Puga Alves de Sousa (Mestre em História Social\UFU)
 
GRUPO TEATRAL APOENA
O jovem Grupo Teatral Apoena convida a todxs, todas e todos a participarem de seus encontros que objetivam a continuação da criação de uma peça\intervenção de rua. Os encontros do grupo, em outubro, serão nas seguintes datas: 01\10- terça, 18\10 – sexta, 25\10- sexta, sempre das 14h às 17h nas dependências do IFMS-Coxim. Os encontros tem atividades diversificadas e ocorrem em clima de produção, ou seja, os encontros são pensados sempre com a finalidade da construção de nossa peça\intervenção. As pessoas interessadas em realizar as duas atividades receberão certificados de 30h. As inscrições para o grupo também devem ser feitas pelo e-mail casa_dadiferenca@hotmail.com , no e-mail de inscrição, além dos dados apontados anteriormente, é preciso que conste se a pessoa deseja participar somente do grupo ou do grupo e do curso.
 
Endereço do IFMS\ Coxim:
Escola Estadual Padre Nunes
Rua Pereira Gomes, 355 – Novo Mato Grosso
CEP: 79400-000
Coxim-MS
Telefone: (67) 3291-4004

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Identidades e marcadores da diferença: uma tarde de conversação


Na tarde de hoje, na atual sede do IFMS/Coxim, realizamos um encontro para refletir sobre alguns temas referentes à constituição das subjetividades minoritárias. Dois filmes curtos foram utilizados como lugar de disputa de nossas ideias, todos eles estão disponíveis no youtube e seus links podem ser encontrados ao final desta postagem.

 O primeiro deles se estrutura da seguinte maneira: algumas crianças, duas bonecas e um homem branco que pergunta coisas às crianças. Ao longo das perguntas percebe-se que as crianças identificam uma das bonecas como sendo negra e a outra como sendo branca, à primeira elas associam vários predicados negativos, enquanto que a segunda boneca é associada a predicados socialmente entendidos como positivos, o filme termina com um das crianças realizando a associação de si mesma com a boneca negra. A primeira questão que surgiu no debate foi a seguinte: O que fez aquelas crianças se pensarem assim? O que fez com que elas tenham percepção negativa da negritude na qual elas também se incluíam?

O segundo filme,"Medo de quê?", nos apresenta a história de um menino que começa a manifestar seu desejo no campo da sexualidade. O menino, personagem principal do desenho, começa tentando imaginar meninas durante suas práticas de auto-erotização, porém imagens de meninos surgem a ele como mais desejáveis  Depois de ter apresentado a descoberto do desejo por pessoas de mesmo sexo, o desenho passa a apresentar os modos pelos quais a sociedade faz com que o menino tome conhecimento do lugar que ela reserva para pessoas que desejam como ele: imagens negativas exibidas pela mídia, ridicularização pública da homossexualidade, um beijo entre dois homens causa a expulsão deles de uma espécie de shopping  O que imediatamente surgiu no debate foi a percepção do modo como as práticas sociais determinaram a formação da identidade do menino.

Por fim, passamos à construção de uma micro-estória coletiva sobre uma personagem que foi por nós nomeada de Joana. Cada umx dxs participantes contribuiu na construção da personagem e pensou nos mecanismos que poderiam fazê-la formar uma percepção negativa de si mesma. Cada uma das pessoas que estavam presente, em voz alta, afirmou "Meu nome é Joana, sou negra e x", por exemplo: "Meu nome é Joana, sou negra e quando vou ao mercado comprar shampoo o meu cabelo nunca consta entre aqueles que são definidos como normais", "Meu nome é Joana, sou negra e quando ligo a televisão só vejo pessoas brancas como sinônimo de beleza", etc.

Obrigado pela ajuda na tarde de hoje, foi muito bom comer lanchinhos e trocar ideias com todxs:

Kamila Duarte, Geovane Rodrigues , Rodrigo Mendes,  Alexandra Oliveira,  Princila Duarte,Fauze Ortiz Nimer, Mafra Darley, Camila de Albuquerqu e Thaisa Fernandes. 

Preto e Branco: quem tem cor e quem não tem?

Teste sobre preconceito( 1 minuto e 8 segundos)
disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NDhHJpik7As&feature=related

Sexualidade: do singular ao plural

Vídeo:
Medo de quê? Parte 1( 9 minutos e 20 segundos)

Disponível em :http://www.youtube.com/watch?v=S2qisJyKm0g&list=UUdue0NC8wjmp6E-6693YzYQ&index=2&feature=plcp

Medo de quê? Parte 2 (9 minutos e 16 segundos)

Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=2xOAyoER-Ts&feature=relmfu

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Sujeira e Gênero -Beatriz Preciado


                                                                                                  Sujeira e Gênero. Mijar/Cagar. Masculino/Feminino

Beatriz Preciado

            Além das fronteiras nacionais, milhões de fronteiras de gênero, difusas e tentaculares, segmentam cada metro quadrado do espaço que nos rodeia. Ali onde a arquitetura parece simplesmente se pôr a serviço das necessidades naturais mais básicas (dormir, comer, cagar, mijar...) suas portas e janelas, seus muros e aberturas, regulando o acesso e a vista, operam silenciosamente como a mais discreta e efetiva das "tecnologias de gênero."(1)

     
Assim, por exemplo, os sanitários públicos, instituições burguesas generalizadas em cidades européias a partir do século XIX, pensadas primeiro como espaços de gestão do lixo corporal nos espaços urbanos(2), vão converter-se progressivamente em cabines de vigilância do gênero. Não é casual que a nova disciplina fecal imposta pela nascente burguesia ao final do século XIX seja contemporânea do estabelecimento de novos códigos conjugais e domésticos que exigem a redefinição espacial dos gêneros e que serão cúmplices da normalização da heterossexualidade e da patologização da homossexualidade.
            No século XX, os sanitários viraram autênticas células públicas de inspeção em que se avalia a adequação de cada corpo nos códigos vigentes da masculinidade e da feminilidade. Na porta de cada sanitário, como único signo, uma interpelação de gênero: masculino ou feminino, damas ou cavalheiros, chapéu masculino ou chapéu feminino, bigode ou rosto liso, como se tivesse que entrar ao banho e refazer-se o gênero mais que desfazer-ser da urina e da merda. Não se pergunta se vamos cagar ou mijar, se temos ou não diarréia, nada interessa, nem a cor nem o tamanho. A única coisa que importa é o GÊNERO.   
Tomemos, por exemplo, os banheiros do aeroporto George Pompidou de Paris, escoadouros de dejetos orgânicos internacionais em meio a um circuito de fluxo de globalização do capital. Entremos no banheiro das mulheres. Uma lei não escrita autoriza as visitantes casuais dos sanitários a inspecionar o gênero de cada novo corpo que decide cruzar a soleira da porta. Uma pequena multidão de mulheres femininas, que com freqüência dividem um ou vários espelhos e pias, atuam como inspetoras anônimas do gênero feminino, controlando o acesso de novos visitantes de vários compartimentos privados em cada um dos quais se esconde, entre conveniência e imundice, um sanitário. Aqui, o controle público da feminilidade heterossexual se exerce primeiro mediante o olhar, e só em caso de dúvida mediante a palavra.
        Qualquer ambigüidade de gênero (cabelo excessivamente curto, falta de maquiagem, pelos curtos ao redor do lábio em forma de bigode, passo muito afirmativo...) exigirá um interrogatório do usuário potencial que se verá obrigado a justificar a coerência de sua escolha de sanitário: "Ei, você. Se equivocou de banheiro, o dos homens esta à direita." Um cúmulo de signos do gênero do outro banheiro exigirá irremediavelmente o abandono do espaço mono-gênero sob pena de sanção verbal ou física. Em último caso, sempre é possível alertar a autoridade pública (com freqüência uma representação masculina do governo estatal) para retirar os corpos trânsfugos (pouco importa se trata de um homem ou de uma mulher masculina).
Se, superando este exame do gênero, ganharmos acesso a uma das cabines, encontraremos então um cômodo de 1x1,50 m² que tenta reproduzir em miniatura a privacidade de um banheiro doméstico. A feminilidade se produz precisamente pela subtração de toda função fisiológica do olhar público. No entanto, a cabine proporciona uma privacidade unicamente visual. É assim que a domesticidade estende seus tentáculos e penetra o espaço público. Como faz notar Judith Halberstam "o banheiro é uma representação, uma paródia, da ordem doméstica fora da casa, no mundo exterior"(3).
        Cada corpo fechado em uma cápsula evacuatória, de paredes opacas que o protegem de mostrar seu corpo em nudez, de expor a vista pública a forma e a cor de suas defecações, dividem no entanto o som dos jatos da chuva dourada e o cheiro das merdas que se espalham nos sanitários próximos. Livre. Ocupado. Uma vez fechada a porta, um vaso branco de 40 a 50 centímetros de altura, como se tratasse de um tamborete de cerâmica perfurado que conecta nosso corpos defecante a um invisível esgoto universal (na qual se misturam os dejetos de mulheres e homens) nos convida a sentarmos tanto para cagar como para mijar. 
Cruzemos o corredor e vamos agora ao banheiro dos rapazes. Cravados na parede a uma altura de 80 a 90 centímetros do solo, um ou vários mictórios se agrupam em um espaço, frequentemente destinado a lavatórios e igualmente acessível a visão pública. Dentro deste espaço, uma peça fechada, separada categoricamente da visão pública por uma porta de trinco, dá acesso a um vaso semelhante ao que mobilia os banheiros das mulheres. Apartir de princípios do século XX, a única lei arquitetônica comum a toda construção de banheiros, de rapazes, é esta separação de funções: mijar-de-pé-mictorio/cagar-sentado-vaso. Dito de outro modo, a produção eficaz da masculinidade heterossexual depende da separação imperativa da genitalidade e analidade. Poderíamos pensar que a arquitetura constrói novas barreiras quase naturais respondendo a uma diferença essencial de funções entre homens e mulheres. Na realidade, a arquitetura funciona como uma verdadeira prótese do gênero que produz e fixa as diferenças entre tais funções biológicas.
        O mictório, como uma protuberância arquitetônica que cresce desde a parede e se ajusta ao corpo, atua como uma prótese da masculinidade, facilitando a postura vertical para mijar sem receber respingos. Mijar de pé publicamente é uma das performances construtivas da masculinidade heterossexual moderna. Deste modo, o discreto mictório participa da produção da masculinidade no espaço público. Por isto, os mictórios não estão presos em cabines fechadas, senão em espaços abertos a visão coletiva, posto que mijar-de-pé-entre-caras é uma atividade cultural que gera vínculos de sociabilidade divididos por todos aqueles, que ao fazê-lo publicamente, são reconhecidos como homens. 
Duas lógicas opostas dominam o banheiro das moças e rapazes. Enquanto o banheiro das moças é a reprodução de um espaço doméstico, em meio ao espaço público, os banheiros de rapazes são umas pregas do espaço público em que se intensificam as leis de visibilidade e posição ereta que tradicionalmente definiam o espaço público como espaço de masculinidade. Enquanto o banheiro das moças opera como um mini-panopticon em que as mulheres vigiam coletivamente seu grau de feminilidade heterossexual em que todo avanço sexual resulta uma agressão masculina, os banheiros dos rapazes aparecem como um terreno propício para a experimentação sexual. Em nossa paisagem urbana, o banheiro de rapazes, resto quase-arqueológico de uma época de masculinismo mítico em que o espaço público era privilegio dos homens, resulta ser, junto com os clubes automobilísticos, esportivos ou de caça, e certos bordéis, um dos redutos públicos em que os homens podem utilizar-se de jogos de cumplicidade sexual sob a aparência de rituais de masculinidade.
Mas precisamente porque os banheiros são cenários normativos de produção da masculinidade, podem funcionar também como um teatro de ansiedade heterossexual. Neste contexto, a divisão espacial de funções genitais e anais protege contra uma possível tentação homossexual, ou melhor, condena ao âmbito da privacidade. A diferença do mictório, nos banheiros de rapazes, o vaso, símbolo da feminilidade abjeta/sentada, preserva os momentos de defecação de sólidos (momentos de abertura anal) da visão pública. Como sugere Lee Edelman(4), o ânus masculino, orifício potencialmente aberto a penetração, deve abrir-se somente em espaços fechados e protegidos da visão de outros homens, porque de outro modo poderia suscitar um convite homossexual.
        Não vamos aos banheiros para evacuar, senão para fazer nossas necessidades de gênero. Não vamos mijar, senão reafirmar os códigos da masculinidade e da feminilidade no espaço público. Por isso, escapar do regime de gênero dos banheiros públicos é desafiar a segregação sexual que a moderna arquitetura urinária nos impõe há mais ou menos dois séculos: público/privado, visível/invisível, decente/obsceno, homem/mulher, pênis/vagina, de-pé/sentado, ocupado/livre... 
Uma arquitetura que fabrica os gêneros enquanto, debaixo do pretexto da higiene pública, diz ocupar-se simplesmente da gestão de nossas sujeiras orgânicas. SUJEIRA>GÊNERO. Infalível economia produtiva que transforma a sujeira em gênero. Nãonos enganemos: a máquina capital-heterossexual não desperdiça nada. Ao contrário, cada momento de expulsão de um dejeto orgânico, serve como ocasião para reproduzir o gênero. As inofensivas máquinas que comem nossas merdas são na realidade normativas próteses de gênero.


(1). Utilizo aqui a expressão de Teresa De Lauretis para definir o conjunto de instituições e técnicas, desde o cinema até o direito, passando pelos banheiros públicos, que produzem a verdade da masculinidade e a feminilidade.
Ver: Teresa De Lauretis, Technologies of Gender, BloomingtonIndiana University Press, 1989.
(2). Ver: Dominique Laporte, Histoire de la Merde, Christian Bourgois Éditeur, Paris, 1978; y Alain Corbin, Le Miasme et la Jonquille, Flammarion, Paris, 1982.
(3). Judith Halberstam, "Techno-homo: on bathrooms, butches, and sex with furniture," in Jenifer Terry and Melodie Calvert Eds., Processed Lives. Gender and Technology in the Everyday Life, Routledge, London and New York, 1997, p.185.
(4). Ver: Lee Edelman, "Men's Room" en Joel Sanders, Ed. Stud. Architectures of Masculinity, New York, Princeton Architectural Press, 1996, pp.152-161.

sábado, 29 de setembro de 2012

AS FERRAMENTAS DO SENHOR NUNCA DESARMARÃO A CASA DO SENHOR


Comentários feitos no painel sobre “O pessoal e o político”, durante a conferência sobre o segundo sexo, em outubro e 1979.
(Audre Lorde)

Consenti em tomar parte na conferência do Instituto de Humanidades  da Universidade de Nova Iorque sob a condição de que eu comentaria a respeito dos ensaios que tratam do papel da diferença na vida das mulheres americanas; a diferença de raça, a sexualidade, a classe e a idade. A ausência dessas considerações diminui qualquer discussão feminista do pessoal e do político.

Presumir que possa existir uma discussão sobre a teoria feminista, nesta data e local, sem examinar nossas várias diferenças e sem uma contribuição significativa das mulheres pobres, das mulheres negras e do terceiro mundo, e das lésbicas é uma arrogância tipicamente acadêmica. E ainda, estou aqui como lésbica feminista negra no único painel desta conferência em que está representada a contribuição das feministas negras e lésbicas. O que isso nos diz acerca da visão desta conferência é triste, num país onde  racismo, sexismo e homofobia são inseparáveis. Ler este programa é assumir que as lésbicas e as mulheres negras não têm nada a dizer sobre o existencialismo, o erótico, a cultura e o silêncio da mulher, do desenvolvimento da teoria feminista, ou da heterossexualidade e o poder. E o que quer dizer, em termos pessoais e políticos, que as duas mulheres negras que fizeram apresentações aqui foram buscadas literalmente de última hora? O que quer dizer que as ferramentas do patriarcado racista sejam usadas para examinar o futuro desse mesmo patriarcado?  Quer dizer que somente os perímetros mais estreitos de uma mudança social serão possíveis e permitidos.

A ausência de qualquer consideração do conhecimento lésbico ou das mulheres terceiro-mundistas deixa um grave vazio dentro desta conferência e dentro dos ensaios aqui apresentados. Por exemplo, num ensaio sobre as relações materiais entre mulheres, estava consciente de que o modelo usado para representar o labor da cinza* ignora por completo meu conhecimento como lésbica negra. Neste ensaio não havia nenhuma análise sobre a mutualidade entre mulheres, nem dos sistemas de apoio compartilhado, nem das interdependências entre as lésbicas e as mulheres que se identificam com mulheres. Contudo, é somente dentro do modelo patriarcal da criação que as mulheres “que tentam emancipar-se talvez paguem  preço demasiado alto dado os resultados”, como esse ensaio declara.
Para as mulheres, a necessidade e o desejo de compartilhar a afetividade entre si não é patológico é um resgate, e é dentro deste conhecimento que nosso poder verdadeiro se redescobre. É essa conexão verdadeira entre mulheres que tanto teme o mundo patriarcal. Porque é somente sob uma estrutura patriarcal  que a reprodução é o único poder social disponível às mulheres.

A interdependência entre mulheres é o único caminho em direção a uma liberdade que permita ao “eu” “ser”, para criar e não para ser utilizada. Esta é a diferença entre o “ser”passivo e o “ser” ativo.
Somente defender a tolerância à diferença entre as mulheres é fazer uma reforma grosseira. É a negação completa da função criativa desempenhada pela diferença em nossas vidas. Porque a diferença não deve ser somente tolerada, ela deve ser vista como uma fonte de polaridades necessárias, na qual nossa criatividade pode brilhar como dialética. Somente assim a necessidade de interdependência deixa de ser ameaçadora. Somente dentro dessa interdependência de esforços diferentes, reconhecidos e iguais, é que se pode engendrar o poder para buscar novas maneiras de ativamente “ser”, tanto como o valor e o  fundamento para atuar onde não há promissórias.

Dentro da interdependência das diferenças mútuas não dominantes se encontra a segurança que nos permite descer ao caos do conhecimento e regressar com visões verdadeiras de nosso futuro, junto com o poder concomitante para efetuar as mudanças que podem realizar o bom futuro. A diferença é essa conexão em carne viva e poderosa da qual se forja nosso poder pessoal.

Como mulheres, nos ensinaram a ignorar nossas diferenças ou a vê-las como causas para a separação e suspeita, ao invés de apreciá-las como forças para a mudança. Sem comunidade, não há liberação. Só há o mais vulnerável e temporal armistício entre o despojo de nossas diferenças, nem o pretexto patético de que as diferenças não existem.

Essas entre nós que estão fora do círculo da definição social de mulher aceitável; essas entre nós  que foram forjadas nos crisóis (potes, vasos) da diferença, essas entre nós que são pobres, que são lésbicas, que são negras, que são maiores, sabem que o sobreviver não é uma habilidade acadêmica. Significa aprender a ficar só, a não ser popular, e, às vezes, vituperada, tanto como fazer uma causa em comum com essas que se identificam fora das estruturas, para poder definir e buscar um mundo no qual todas possamos florescer. Significa aprender a tomar nossas diferenças e torná-las forças. Porque as ferramentas do senhor nunca desarmarão a casa do senhor. Talvez nos permitam ganhar o jogo temporariamente, mas nunca nos deixarão efetuar uma mudança genuína. E este ato é ameaçador somente para aquelas mulheres que ainda definem a casa do Senhor como único recurso de apoio.

As mulheres pobres e terceiro-mundistas sabem que existe pouca diferença entre as manifestações cotidianas e a desumanização por meio da escravidão conjugal e da prostituição, porque são nossas filhas que fazem fila na Rua 42 [uma zona de prostituição em Nova Iorque]. A observação de palestinas negras sobre os efeitos da impotência relativa e  das diferenças entre as relações entre mulheres e homens negros e mulheres e homens brancos demonstra alguns de nossos problemas especiais como feministas negras. Se a teoria branca americana não tem que dar conta das diferenças entre nós, nem das diferenças que resultam nos aspectos de nossas opressões, então que fazem vocês com o fato de que as mulheres que limpam suas casas e cuidam de seus filhos enquanto vocês assistem a conferências sobre a teoria feminista são, em sua maioria, pobres e terceiro-mundistas? Qual é a teoria por trás do feminismo racista?

Num mundo de possibilidades iguais para todas, nossa visão pessoal é a base para a ação política. O fracasso das feministas acadêmicas ao não reconhecer a diferença como uma força crucial é o fracasso de não chegar mais além da primeira lição patriarcal. Em nosso mundo, divide e conquistarás deve converter-se em define e te apoderarás.

Por que não buscaram mais mulheres negras e terceiro-mundistas para participar desta conferência? Por que consideram duas chamadas telefônicas a mim como consultas? Sou a única fonte que dispões de nomes de negras feministas? Mesmo que o ensaio sobre a palestina negra termine com uma importante e poderosa conexão de amor entre mulheres, o que há de cooperação inter-racial entre as feministas que não se amam?

Em círculos feministas acadêmicos, a resposta a estas perguntas é, freqüentemente, “Não sabemos a quem perguntar”.  Trata-se da mesma evasão de responsabilidade, a mesma desculpa que exclui a arte das mulheres negras das exposições de mulheres; a obra de mulheres negras da maioria das publicações feministas, com exceção de uma “edição especial de mulheres terceiro-mundistas”, e os textos de mulheres negras e de suas listas de leitura. Porém, como Adrienne Rich indicou recentemente numa fala, as feministas brancas se educaram enormemente nestes dez anos, por que não se educaram também sobre as mulheres negras e as diferenças entre nós –brancas e negras- quando se trata da chave de nossa sobrevivência como movimento?

Ainda se pede às mulheres de hoje que se esforcem para diminuir a ignorância masculina e educar os homens sobre a nossa existência e nossas necessidades. Esta é a  velha e primordial tarefa de todos os opressores para manter os oprimidos  ocupados com interesses do Senhor. Agora escutamos que, não obstante a tremenda resistência,  é o trabalho das mulheres negras e terceiro-mundistas educar às mulheres brancas acerca de nossa existência, nossas diferenças, nossos papéis relativos em nossa sobrevivência comum. Este é um desvio de energia e uma repetição trágica do pensamento racista patriarcal.

“Do conhecimento das condições genuínas e nossas vida devemos extrair a força para viver e a razão para atuar”.

O racismo e a homofobia são condições reais em todas nossas vidas e neste lugar e neste tempo. Peço a todas que estão aqui que busquem  neste lugar do conhecimento em si mesmas e que toquem o terror e o ódio a qualquer diferença que vive aí. Vejam que cara tem. Somente então, o pessoal tanto quanto o político poderão começar a iluminar todas as nossas opções.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

INSCRIÇÕES ABERTAS PARA CICLO DE ESTUDOS SOBRE SEXO E GÊNERO- IFMS/COXIM

Entre os dias 24 e 28 de setembro de 2012  a Casa da Diferença estará com inscrições abertas para as atividades de estudos que acontecerão neste semestre. Contamos com 15 vagas, que serão preenchidas por ordem de inscriçãoAs inscrições (contendo nome completo, telefone e/ou celular) devem ser feitas exclusivamente pela internet no seguinte endereço eletrônico:casa_dadiferenca@hotmail.com

Este é o terceiro módulo de estudos do grupo. No primeiro, fizemos a leitura e a discussão do artigo de Beatriz Preciado -  Multidões queer: por uma política dos anormais-, e tivemos como objetivos principais o contato com as teses da autora e a construção de uma espécie de mapa teórico que nos permitisse identificar autores e autoras importantes para compreendermos o processo de constituição do sexo dentro da atual sexopolítica contemporânea. No segundo, realizamos a leitura e a discussão do primeiro volume da História da sexualidade: a vontade de saber, escrito pelo filósofo Michel Foucault. Tentamos determinar quais eram as principais teses expressas no livro e entender a constituição do dispositivo da sexualidade.  Para o terceiro módulo escolhemos a obra Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud, escrita por Thomas Laqueur. Nossa escolha não foi gratuita, a leitura de Thomas Laqueur, assim como a de Preciado e a de Foucault, nos fornece elementos, por meio de analises de materiais ligados à produção da anatomia humana, para colocar o sexo, enquanto entidade estanque e biológica, em questão.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

01/10/2012
Filme: A pele que habito
08/10/2012
Capítulo um: Da linguagem e da carne
22/10/2012
Capítulo dois: Destino é anatomia
29/10/2012
Capítulo três: Nova Ciência, uma só carne
05/11/2012
Capítulo quatro: Representando o sexo
19/11/2012
Capítulo cinco: A descoberta dos sexos
03/12/2012
Capítulo seis: O sexo socializado
10/12/2012
Filme: Morrer como um homem


NOSSOS ENCONTROS:

ONDE? IFMS/Coxim - atualmente estamos no terceiro piso da escola Padre Nunes (marcelão), a sala ainda será definida.
QUANDO? Segundas-feiras (leia o cronograma de atividades)
HORAS? das 15h40  às 17h40.

CERTIFICADOS:
Nossas reuniões contabilizam um total de 16h, porém, para que o/as participantes dediquem um período de tempo à leitura dos textos, nosso certificado contemplará mais 4h, totalizando 20h. Para o recebimento dos certificados é preciso participar de 75% das atividades presenciais.

LEMBRETE: não há  pré-requisitos para participar das reuniões, além da vontade de pensar e da  realização da leitura prévia dos textos que serão debatidos, claro! O texto será disponibilizado na Central Cópias a partir do dia 27/09.


INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS:

LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud; trad. Vera Whately. - Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.


SOBRE O LIVRO (orelha escrita por Silvia Alexim Nunes):
“A diferença de sexos é ainda hoje uma questão que instiga antropólogos, filósofos, sociólogos e psicanalistas. O assunto também tornou-se cotidiano na vida cultural em geral, matéria constante na imprensa mundial. Os estudos mais recentes sobre o tema, principalmente aqueles ligados à história das mentalidades, trazem uma novidade, que é o tema deste livro: a formulação de que as relações sociais de sexos não são a-históricas, dado este que rompe com qualquer perspectiva naturalista ou biologizante.
Nesta perspectiva, Inventando o Sexo é um marco. Não só pela pesquisa histórica rigorosa que Thomas Laqueur realiza, mas principalmente pelas consequências profundas e surpreendentes que ele tira de seu objeto de estudo. Analisando os discursos sobre o corpo, a fisiologia reprodutiva e as relações entre os sexos, Laqueur demonstra como as diferentes formas de se pensar a diferença entre os sexos, de Aristóteles à Freud, pouco tiveram a ver com os progressos da ciência. Ao contrário, propõe que a passagem de um modelo de sexo único que predominou nas sociedades ocidentais da Antiguidade até o final da Renascença e que advoga a existência de um só sexo, o masculino, do qual a mulher seria uma versão imperfeita, para o modelo de dois sexos que aparece no século XVIII e que trata homens e mulheres como radicalmente diferentes e complementares, não se deu em função de um avanço da ciência, mas sim como resposta as necessidades políticas fundamentais para a construção da sociedade liberal moderna.
Para Laqueur as diferentes formas de interpretar o corpo e as diferenças entre os sexos não resultam de um conhecimento específico, sendo, ao contrário, produções discursivas principalmente dentro de um contexto de lutas e conflitos em que estão em jogo gênero e poder. Indo mais longe ainda, sugere que as teorias sobre a diferença sexual tiveram uma influência significativa no curso do progresso científico e na interpretação de resultados experimentais específicos.
A radicalidade de suas teses torna esse livro leitura obrigatória para aqueles que pretendem se dedicar ao estudo das relações entre corpo, sexo e gênero nas sociedades contemporâneas, onde ciência e as novas tecnologias reprodutivas recolocam a necessidade de uma reflexão profunda sobre o tema”.

SOBRE O AUTOR
THOMAS LAQUEUR  é professor de história da UCLA (Universidade da Califórnia), e Berkeley, onde realiza pesquisas sobre história social e história da medicina. Em 1967, graduou-se  pelo Swarthmore College em filosofia, história e biologia e, em 1973, completou sua formação no Nuffield College e na Universidade de Princeton. Entre 1980 e 1981 estudou medicina na UCLA como preparação para a produção deste livro. É membro do Centro Nacional de Ciências Humanas, na Califórnia do Norte, e da Academia Americana de Artes e Ciências. É membro fundador do jornal Representations e escreve regularmente para o London Review of Books e para a New Republic.

Entrevista com Thomas Laqueur: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=469&secao=199


SOBRE OS FILMES:

A PELE QUE HABITO

Richard Ledgard (Antonio Bandeiras) é um cirurgião plástico que, após a morte da sua mulher num acidente de carro, se interessa pela criação de uma pele com a qual poderia tê-la salvo. Doze anos depois, ele consegue cultivar esta pele em laboratório, aproveitando os avanços da ciência e atravessando campos proibidos como os da transgênese com seres humanos. No entanto, este não será o único delito que o cirurgião irá cometer.


FICHA TÉCNICA


Diretor: Pedro Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Blanca Suárez, Eduard Fernández, José Luis Gómez, Bárbara Lennie, Susi Sánchez
Produção: Agustín Almodóvar, Esther García
Roteiro: Pedro Almodóvar, Agustín Amodóvar
Fotografia: José Luis Alcaine
Trilha Sonora: Alberto Iglesias
Duração: 133 min.
Ano: 2011
País: Espanha
Gênero: Suspense
Cor: Colorido
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio: Canal+ España / El Deseo S.A. / Televisión Española (TVE) / Instituto de Crédito Oficial (ICO)
Classificação: 16 anos

(As informações sobre o filme foram retiradas de: http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/a-pele-que-habito/id/17478 )



MORRER COMO UM HOMEM

Houve uma vez uma guerra… Na escuridão da noite, o jovem soldado está ausente sem licença. Tonia, veterano transexual nos shows de drags em Lisboa, vê o mundo ao seu redor desmoronar. A concorrência com os jovens artistas ameaça seu status de estrela. Pressionada pelo jovem namorado Rosário para assumir sua identidade feminina, fazendo a operação que o transformará em mulher, Tônia luta contra suas profundas convicções religiosas. Se, por um lado, ela quer ser a mulher que Rosário deseja, por outro sabe que diante de Deus jamais será mulher. E seu filho, a quem abandonou quando era criança, agora um desertor da guerra, está à sua procura. Tônia descobre estar muito doente. Para ficar longe de todos os problemas, ela viaja para o campo com Rosário, com o pretexto de visitar o irmão. Rosário toma o caminho de sua infância, mas nunca encontrará o caminho certo. Perdidos, eles vão dar em um bosque, um mundo no qual eles se deparam com a enigmática Maria Bakker e sua amiga Paula. E esse encontro vai transformar o mundo em sua cabeça.

FICHA TÉCNICA

Diretor: João Pedro Rodrigues
Elenco: Fernando Santos, Alexander David, Gonçalo Ferreira de Almeida
Produção: Maria João Sigalho
Roteiro: João Pedro Rodrigues, Rui Catalão
Fotografia: Rui Poças
Duração: 133 min.
Ano: 2009
País: Portugal, França
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Não definida

(As informações sobre o filme foram retiradas de: http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/morrer-como-um-homem/id/16349)

Filme completo disponível emhttp://www.youtube.com/watch?v=kwuTj52iFNk

sábado, 22 de setembro de 2012

Vítimas do Machismo de Suas Mulheres e Companheiras


(Letícia Lanz, 22-09-2012). Todos os dias ao redor do mundo, um grande número de mulheres são vitimadas pela violência de maridos e companheiros machistas, continuamente alimentados por uma cultura que leva o homem a acreditar ser dono da mulher. Felizmente, graças à militância feminista de décadas, muitas dessas mulheres já conseguem expor publicamente seu drama, revelando a face monstruosa de homens que as torturam, ferem e matam, seus corpos e sobretudo suas almas.
Mas há um outro lado da violência, também machista, que nunca vem à tona. Que, quando muito, é comentada a boca pequena, onde gritos dilacerantes de angústia e dor se transformam em sussurros amedrontados, cheios de vergonha e culpa.     
Estou falando de mulheres que torturam e violentam seus maridos e companheiros transgêneros, amplificando a graus inimagináveis seus tormentos existenciais, que já são insuportavelmente grandes.
A todo momento, recebo cartas de homens em estado de grande sofrimento e aflição, que nunca “agrediram” e que, muito ao contrário, sempre “agradaram” suas mulheres e companheiras, fazendo o possível e o impossível para corresponder às expectativas que elas têm de um bom cônjuge, um bom pai, um companheiro atento, fiel , carinhoso.
Pois bem: – quero denunciar, contando apenas com a pouca voz que disponho, as agruras existenciais desses homens que, apesar de fiéis ao matrimônio e cumpridores dos seus deveres para com suas famílias e para com a comunidade, estão sendo tratados por suas esposas e companheiras como delinquentes, devassos e depravados, exclusivamente em função da sua condição transgênera.
São absolutamente desumanas as torturas e humilhações diárias a que esses homens transgêneros são submetidos por mulheres machistas, horrorizadas com a descoberta da “feminilidade” dos seus parceiros amorosos. A verdade é que o “machismo feminino” dirigido a companheiros e maridos transgêneros é tão horrenda e cruel quanto o machismo praticado pelos homens contra as mulheres.
A grande maioria das mulheres transformam-se em empedernidas torturadoras ao serem informadas, pelos seus próprios parceiros, da condição transgênera que carregam em seus corpos e almas ou, pior ainda, ao descobrirem, por obra do acaso ou má-fé de terceiros, que seus maridos têm uma vida paralela, onde estão muito longe de ser “tão homens” ou “tão machos” quanto deveriam…
O próprio processo de revelar-se à parceira pode ser considerado como uma das mais cruéis sessões de tortura pelas quais um homem transgênero pode passar. São toneladas de perguntas para as quais ninguém até hoje teve resposta, entremeadas de espasmos de cólera, choros convulsivos, imprecações, ranger de dentes e silêncios profundos.
Uma vez feita a “terrível confissão” ou  a “descoberta nefasta”, instala-se um clima de guerrilha doméstica, onde o marido ou companheiro, colocado sob permanente vigilância e suspeita, passa a ser submetido a todo tipo de crueldade mental e constrangimento físico e moral.
Essa clima doméstico perdura até a inevitável separação, quase sempre de ordem judicial, com o homem sendo dessa vez constrangido e humilhado publicamente, diante de advogados que não pouparão sua condição transgênera como motivo principal do divórcio. Muitos homens transgêneros são de tal forma vitimizados por processos judiciais de separação que perdem até mesmo o direito de conviver os filhos, em razão da sua identidade de gênero.
A miopia provocada pelo machismo faz com que as mulheres, que continuam sendo suas maiores vítimas, declarem em pesquisas a sua preferência por “homens machões” assim como a sua rejeição por homens que demonstrem qualquer traço de feminilidade. Por certo essas mulheres que rejeitam a transgeneridade dos maridos e companheiros prefeririam viver ao lado de homens que as submetessem a permanentes maus tratos, que escandalosamente as traíssem com outras (ou outros…), que não tivessem a menor atenção e carinho com os filhos.
Ao contrário das mulheres constrangidas ou violentadas por maridos machistas, que hoje dispõem de todo um aparato institucional de proteção e defesa, os homens transgêneros não dispõem de nenhuma instância a que recorrer. Além de não ser comum os homens transgêneros se agruparem em associações de ajuda e proteção mútua, não existe nenhuma lei específica para defende-los das investidas de mulheres machistas, determinadas a levar seu preconceito e intolerância às últimas consequências. Resulta que esses homens acabam muito sós e completamente desamparados em relação a quaisquer direitos que têm no terreno doméstico e familiar.
Quando muito, um ou outro, de maneira envergonhada, expõe seu drama em algum e-mail carregado de dor, como um que recebi ainda esses dias, onde o autor, em tom desesperançado, faz um depoimento pungente:
depois de vivermos todo esse tempo em clima de guerra doméstica, minha esposa disse que não aguentava a minha condição transgênera e estamos separados há quase 15 dias. Para ela, não dava mais viver comigo, pois ela não suporta a minha transgeneridade. Daí eu me sinto muito culpada de ser assim, de ter comprometido o meu casamento e ter perdido a mulher da minha vida, além de estar privado do convívio diário com minhas filhas, que ainda são muito crianças e que eu amo por demais”.
Ser transgênero é normal e é legal. É perfeitamente normal um homem vestir-se com roupas femininas e/ou realizar modificações corporais para aliviar o impulso de um desejo que dilacera seus portadores. O que não é normal é as mulheres tratarem esses homens como se fossem pessoas moralmente degradadas, impondo-lhes restrições e sofrimentos que nitidamente configuram uma forma de violência doméstica sustentada por surrados valores machistas. Ao agirem de modo preconceituoso e intolerante com seus maridos e companheiros transgêneros, essas mulheres tornam-se cúmplices de uma  ordem social que sempre negou e espoliou seus direitos mais elementares.       
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A publicação deste texto foi gentilmente concedida por Letícia Lanz, autora deste texto que se encontra, originalmente, disponível em:  http://www.leticialanz.org/vitimas-do-machismo-de-suas-mulheres-e-companheiras/