Ser mulheres juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser garotas gays juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser mulheres negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras sapatonas juntas não era suficiente. Éramos diferentes... Levou algum tempo para percebermos que nosso lugar era a própria casa da diferença e não a segurança de alguma diferença em particular. (Audre Lorde)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Abre teu cu e tua mente se abrirá!

Este é um livro sobre o cu, um livro em torno do cu, um livro escrito a partir de dentro do cu. Mas não é um livro que busque alguma verdade sobre o prazer anal, nem é um manual de auto-ajuda anal, nem uma aproximação antropológica nem científica que ofereça um saber para olhares curiosos sobre o “outro”. Não vamos descobrir uma nova tribo para os antropólogos de hoje em dia, nem vamos criar novas taxonomias a serviço de uma sexologia moderna, progressista e até mesmo queer. Não é um livro que tenha esperança numa suposta “liberação” sexual pelo cu, ou que exalte o sexo anal como o natural e o saudável, ou como panacéia de prazer e a felicidade entre os seres. Não vamos pedir que ninguém prometa conosco votos de amor em uma espécie de chakra Muladhara anal que nos levará à iluminação e à paz.  Tampouco é um livro de confissões ou narrações pessoais sobre nossos cus ou sobre aqueles que desejaram estar ali.
Trata-se de ver o que o cu põe em jogo. Ver porque provoca tanto desprezo pelo sexo anal, tanto medo, tanta fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo,  tanto ódio.  E, sobretudo, mostrar que essa vigilância de nossos traseiros não é uniforme: depende se o cu penetrado é branco ou negro, se é o de uma mulher ou de um homem ou o de um/a trans, se no ato se é ativo ou passivo,  se é um cu penetrado por um dildo, um pau ou um punho, se o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado, se é penetrado com ou sem preservativo, se é um cu rico ou um cu pobre, si é católico ou mulçumano.  Nestas variáveis veremos despregar-se a polícia do cu, e também nelas se articulam a política do cu;  o poder se exerce em rede, é onde se constrói o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo.
O cu parece muito democrático, todo mundo tem um. Porém, veremos que nem todo mundo pode fazer o que quiser com seu cu.
Queremos explorar um órgão ou um lugar que desafia a definição atual do que é o sexo e o genital. Não partiremos de uma hipótese repressiva. Seguindo as análises de Foucault em sua História da sexualidade, não acreditamos que exista um poder que reprima o prazer ou o sexo, nem mesmo o sexo anal. A penetração anal já há muito tempo faz parte do dispositivo da sexualidade; hoje em dia, o sexo anal é mostrado com freqüência, está em quase todos os filmes pornôs (hetero e gay), está nas novelas eróticas, nas lojas de brinquedos sexuais, no posporno, nas consultas sexológicas da televisão e da imprensa, está na arte, na fotografia, na pintura... Há numerosos guias didáticos e vídeos sobre o sexo anal.
Não, o sexo anal não é reprimido, ou, ao menos,  não de uma maneira uniforme. Não há unidade no dispositivo repressivo. O que veremos precisamente aqui são as incoerências que existem em torno do cu, em que medida estas contradições questionam o regime heterocentrado e machista em que vivemos, e até que ponto subvertem o dispositivo da sexualidade atual.
Para começar deixaremos um simples exercício a quem estiver lendo este livro: abre teu cu e tua mente se abrirá.
            
 (O texto que você acabou de ler é tradução livre da introdução do livro "Por el culo: políticas anales" de Javier Sáez e Sejo Carrascosa, editorial Egales) Compre aqui:  http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=22446938&sid=8927129441471288987045511                                                      

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