Este é um
livro sobre o cu, um livro em torno do cu, um livro escrito a partir de dentro
do cu. Mas não é um livro que busque alguma verdade sobre o prazer anal, nem é
um manual de auto-ajuda anal, nem uma aproximação antropológica nem científica
que ofereça um saber para olhares curiosos sobre o “outro”. Não vamos descobrir
uma nova tribo para os antropólogos de hoje em dia, nem vamos criar novas
taxonomias a serviço de uma sexologia moderna, progressista e até mesmo queer.
Não é um livro que tenha esperança numa suposta “liberação” sexual pelo cu, ou
que exalte o sexo anal como o natural e o saudável, ou como panacéia de prazer
e a felicidade entre os seres. Não vamos pedir que ninguém prometa conosco
votos de amor em uma espécie de chakra Muladhara anal que nos levará à
iluminação e à paz. Tampouco é um livro
de confissões ou narrações pessoais sobre nossos cus ou sobre aqueles que
desejaram estar ali.
Trata-se de
ver o que o cu põe em jogo. Ver porque provoca tanto desprezo pelo sexo anal,
tanto medo, tanta fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo, tanto ódio.
E, sobretudo, mostrar que essa vigilância de nossos traseiros não é
uniforme: depende se o cu penetrado é branco ou negro, se é o de uma mulher ou
de um homem ou o de um/a trans, se no ato se é ativo ou passivo, se é um cu penetrado por um dildo, um pau ou
um punho, se o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado, se é penetrado
com ou sem preservativo, se é um cu rico ou um cu pobre, si é católico ou mulçumano. Nestas variáveis veremos despregar-se a
polícia do cu, e também nelas se articulam a política do cu; o poder se exerce em rede, é onde se constrói
o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo.
O cu parece
muito democrático, todo mundo tem um. Porém, veremos que nem todo mundo pode
fazer o que quiser com seu cu.
Queremos explorar
um órgão ou um lugar que desafia a definição atual do que é o sexo e o genital.
Não partiremos de uma hipótese repressiva. Seguindo as análises de Foucault em
sua História da sexualidade, não
acreditamos que exista um poder que reprima o prazer ou o sexo, nem mesmo o
sexo anal. A penetração anal já há muito tempo faz parte do dispositivo da
sexualidade; hoje em dia, o sexo anal é mostrado com freqüência, está em quase
todos os filmes pornôs (hetero e gay), está nas novelas eróticas, nas lojas de
brinquedos sexuais, no posporno, nas consultas sexológicas da televisão e da
imprensa, está na arte, na fotografia, na pintura... Há numerosos guias
didáticos e vídeos sobre o sexo anal.
Não, o sexo
anal não é reprimido, ou, ao menos, não
de uma maneira uniforme. Não há unidade no dispositivo repressivo. O que
veremos precisamente aqui são as incoerências que existem em torno do cu, em
que medida estas contradições questionam o regime heterocentrado e machista em
que vivemos, e até que ponto subvertem o dispositivo da sexualidade atual.
Para começar
deixaremos um simples exercício a quem estiver lendo este livro: abre teu cu e
tua mente se abrirá.
(O texto que você acabou de ler é tradução livre da introdução do livro "Por el culo: políticas anales" de Javier Sáez e Sejo Carrascosa, editorial Egales) Compre aqui: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?nitem=22446938&sid=8927129441471288987045511